SOBRE A ESPERANÇA



A esperança é uma virtude entre dois vícios: a presunção e o desespero. O presunçoso se alimenta do excesso de autoconfiança a ponto de crer que o futuro está em suas mãos e o destino lhe pertence. E é claro que não lhe pertence! Para o presunçoso, desejar e querer é igual a poder e isso lhe dá segurança e uma sensação de estar no comando. O desesperado, por sua vez, é aquele que olha para o futuro e, de imediato, antecipa o pior. O desesperado, ao antecipar o pior, se entristece e se afunda no medo.

No meio está a virtude e a esperança está a meio caminho entre os dois extremos. Nem o extremo da confiança presunçosa e nem o desespero que se fecha à possibilidade da novidade e da graça.

Spinoza definiu bem essa condição intermediária. Ele diz: “a esperança é uma alegria instável, surgida da imagem de uma coisa futura de cuja realização temos dúvida”. O medo, por sua vez, é “uma tristeza instável, surgida, igualmente, da imagem de uma coisa duvidosa”. A esperança é a expectativa de que um bem futuro ocorra. O medo, por sua vez, é a expectativa de que um mal futuro ocorra. Disso se deduz que não há esperança sem medo e não há medo sem esperança. Quem tem esperança sabe que, talvez, o bem não ocorra por isso tem medo. Quem tem medo vive na expectativa de que, talvez, o mal não se realize. Sem a dúvida, sem o “talvez”, a esperança seria segurança presunçosa e o medo seria desespero.

O ocidente conhece duas narrativas sobre a esperança. Uma é grega e outra é cristã. Ambas, ao seu modo, parecem confirmar a definição de Spinoza, senão vejamos.

A narrativa grega se condensa no mito de Pandora. A narrativa cristã tem em Jesus sua personificação, mas a história da teologia nada mais é do que sua interpretação atualizada.

Todos conhecem o mito de Pandora e ele é um desdobramento do mito de Prometeu. Prometeu é um intermediário entre os deuses e os humanos e, por isso, ele sabe o que se passa nos dois mundos. E por saber o que se passa nos dois mundos, sabe que os deuses são o que são, deuses, porque detém a arte do fogo, símbolo da ciência e técnica e, os humanos, não. Prometeu resolve, então, divinizar a humanidade, roubando o fogo dos deuses e entregando esse segredo aos humanos. Zeus, o chefão dos deuses, descobre o delito e castiga Prometeu acorrentando-o num penhasco e uma ave de rapina lhe come, durante o dia, o fígado e, de noite, o fígado se refaz. Um tormento eterno para deixar de ser besta, diríamos hoje.

Mas, os deuses não castigam somente Prometeu. Castigam também a humanidade. Para isso Zeus convoca os deuses para que criem uma mulher perfeita, cada um colocando nela um dom, um atributo divino. O nome dela é Pandora, que significa: ‘a que possui todos os dons”. Quando Pandora está pronta, Zeus lhe incumbe de uma nobre tarefa, a saber, levar um presente aos humanos. Zeus entrega uma caixa à Pandora, com um presente dentro e lhe ordena levá-la aos humanos, com um interdito, não poderia abri-la. E lá se vai Pandora com a caixa e a entrega aos humanos! Os humanos estavam reunidos em assembleia e Pandora chega, se põe no meio deles, coloca a caixa no chão e se retira, mas não tão rápido. Ameaça retirar-se, mas se retém e não se contém, abre a caixa para ver o que há nela. Da caixa saíram todos os males. Quando se apercebeu do que tinha feito, fechou-a, imediatamente e se retirou. Só uma coisa permaneceu dentro da caixa: a esperança!

O mito abre possibilidade de interpretações variadas, sobretudo do significado da esperança ter permanecido dentro da caixa. Duas interpretações são as mais instigantes.

De um lado, podemos pensar que a esperança está preservada, a despeito dos males estarem soltos e espalhados pelos quatro cantos. Os males da ciência e da técnica, que a todos nos afetam, não são desastrosos o suficiente para fazer o humano cair no desespero, pois a expectativa de que o bem vença o mal ficou preservada. No popular, costuma-se dizer: a esperança é a última que morre. Ou, pelo menos, não temos o conhecimento antecipado dos males que irão ocorrer, ficando sempre em expectativa e isso possibilita vivermos, sem o qual cairíamos, fatalmente, no desespero.

Por outro lado, o fato da esperança estar na caixa, junto com todos os males, pode dar a entender que a esperança também é um mal, senão, não estaria lá. Nessa interpretação, o otimismo vira pessimismo. A visão trágica da vida faria com que até a esperança fosse, ela mesma, uma simples ilusão para nos atormentar mais e mais no vale de lágrimas. Essa interpretação sugere que é melhor viver a vida como ela é, sem esperança e sem desesperança, simplesmente viver tragicamente a vida, porque, ao fim e ao cabo, morreremos e desse mal não há esperança que cure.

A narrativa cristã, por sua vez, não é trágica e a esperança é uma virtude teologal das mais excelsas. A esperança cristã é escatológica, isto é, vive em tensão entre o histórico e o além da história, o “já” e “ainda não”. A esperança cristã não é alimentada por mito, mas por uma pessoa histórica, concreta: Jesus de Nazaré. O bem a ser alcançado, na esperança cristã, é a felicidade já, aqui, e a vida eterna no Reino dos Céus. A esperança cristã se ancora e fundamenta em Jesus, na sua vida, nos seus ditos, nas bem-aventuranças, mas, sobretudo, em sua morte e ressurreição. Quer prova maior de que, no final, tudo dará certo e, se ainda não deu certo, é porque ainda não chegou o fim, do que a ressureição de Jesus? O cristão não tem direito de ser pessimista ou desesperado, a cruz e a morte não têm a última palavra.

São Paulo disse que vã seria nossa fé se Jesus não tivesse ressuscitado. A ressureição é a luz que ilumina a fé, a caridade, mas, sobretudo, a esperança. Se até a morte é vencida, então, não há o que temer. Não há inimigo maior do que a morte, contudo, na perspectiva cristã, ela não deveria ser temida, porque Jesus a venceu e Ele é a nossa antecipação, inclusive, nas pequenas esperanças pessoais e históricas. O Reino do Céus não é só uma promessa esperançosa no após morte, mas já se realiza, pela obra e pela graça, aqui e agora. Jesus é esperança e Ele não decepciona. Não pode haver otimismo maior.

A esperança, de fato, na perspectiva cristã, é dom e graça que faz desejar os bens sobrenaturais, mas é também tarefa. Santo Agostinho percebeu bem essa dialética e não pregava que deveríamos ficar de braços cruzados esperando o milagre acontecer. Ele acenava para uma esperança como atividade que requer outras virtudes, como bem disse ao afirmar, poeticamente, que “a esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão, a coragem, a mudá-las”.

Assim, a esperança cristã não é uma esperança acomodada e sinônimo de espera, mas é uma esperança ativa e responsável, que deseja a Deus e a seus bens, ambos difíceis, mas possíveis, pois ancorada na graça de Deus e na inteligência e vontade humanas.

Vivemos tempos difíceis e a esperança está sendo desafiada por todos os lados. Mas, não esqueçamos, lá onde cresce o perigo, cresce também, a salvação.

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