DEZ LIÇÕES PARA DEPOIS



De Sócrates a Nietzsche, passando por Jesus, Marx, Freud e tantos outros, a nossa história é farta em bons e respeitáveis educadores e mestres do ensinamento. Agora parece que outro educador está emergindo com credenciais para educar as novas gerações e reeducar as que já se achavam formadas.

Não, não estou falando de um novo filósofo ou de um novo pensador de notável capacidade de argumentação e de persuasão. O novo educador não tem concorrente humano à altura. Não se formou em universidades, contudo, acumulou sabedoria ao largo dos bilhões de anos de evolução biológica. O danado é tão tinhoso que sequer ouso dizer seu nome...

Para quem quiser aprender, ele, o que não ouso dizer o nome, está aí como um novo pedagogo. Para quem não quiser aprender livremente, ele obrigará, impiedosamente, tal um mestre à moda antiga que ensinava com palavras escritas no quadro e com uma régua na mão e uns grãos de milho guardados na gaveta! Adultos que somos, talvez, possamos ser educados livremente e sem necessidade de “castigos”, violências e sofrimentos além do que teremos que suportar de agora em diante. Se bem que, parece, o sofrimento ainda continua sendo o maior dos sábios a conduzir a vida, muito mais do que os prazeres!

O que o vírus tem a ensinar para os que querem aprender? O que ele já ensinou e que ensinamentos podem ser vislumbrados para depois dessa crise?

Eu arrisco um decálogo:

1. Sociedade de risco: Ulrich Beck, sociólogo Alemão, definiu nossa sociedade pela categoria do “risco”, diferentemente de Zygmunt Bauman que a definiu pela categoria do “líquido”. Talvez a junção dos dois conceitos, isto é, uma sociedade de “risco líquido”, - apresentando perigo por todos os lados com enfrentamento de um inimigo comum e invisível, infinitamente pequeno, resistente e com capacidade de adaptação, sem rosto e forma determinada, que não se deixa abater por bombas, canhões, armas nucleares, que escorre e se instala em todos os lugares - seja a melhor definição do nosso tempo. Nesses tempos, a segurança, esse bem raro e valioso, ninguém a tem em mãos. Nem mesmo os mais poderosos homens do planeta. O risco é um estado constante e impalpável de tensão e, em nosso tempo, generalizado e líquido, diluído, que se adapta e não morre e não se decompõe quando jogado à parede ou pisado no chão. O risco anda de mãos dadas com o medo e formam uma dupla de desestabilização e crises constantes. O vírus, que agora circula pelo mundo, é uma espécie de manifestação, sem máscaras, do espírito do nosso tempo. O tempo do risco e do medo. Não se iludam pensando que será possível voltar a um tempo de normalidade. O novo normal será, de agora em diante, de seminormalidade em que teremos que nos acostumar a viver e morrer diferentemente. Por ora a percepção do risco e do medo está concentrada no vírus, mas os outros riscos não deixarão de existir, somente perderam manchetes como é o caso do risco maior das mudanças climáticas. Parece que, agora, como dizia Heidegger, “já só um Deus nos pode ainda salvar”.

2. Estado x Mercado: Os arautos do mercado que ficam a repetir frases de Frederick Hayek e Ludwig von Mises, autores que endeusam o capital e as leis da oferta e procura, na mão invisível do lucro e dos interesses individuais, deveriam, agora, aprender e reconhecer que as suas políticas de redução do Estado aos interesses das grandes corporações são um fracasso total e que já não dá para deixar de reconhecer a fundamental importância do Estado, afinal, nessa hora, é do Estado que vem o socorro! Onde o Estado é forte e bem conduzido, o risco e os danos humanos e materiais serão menores, sobretudo para os mais vulneráveis. Nos lugares em que o Estado é frágil e mal conduzido pelos seus governantes, as vítimas tendem a ser em maior número. Isso não é ideológico, é fato observável. É só observar como foi o tratamento da pandemia nos países orientais que lidaram como se fosse um único corpo. Mas pedir para reconhecerem a culpa é demais e eles não o farão. Até pelo contrário, aproveitarão a crise generalizada para ampliar o fosso entre ricos e pobres e aumentar, ainda mais, as desigualdades, diminuindo, quanto possível, os direitos dos trabalhadores e distribuindo migalhas aos pobres. Contudo, a lição que deveríamos aprender, finalmente, é de que o mínimo de desigualdades e o máximo de proteção social, com saúde e educação universalizados, é o que seria melhor para todos. Para todos, inclusive para os ricos. Se não formos cínicos, constataremos que os países que melhor lidarão com a crise sanitária e econômica são os que contam com uma rede universalizada de acesso à saúde e à educação do seu povo. E ciência, muita ciência! E os piores a lidar para salvar vida serão os que pouco se importam com a vida e muito se importam em salvar a lógica perversa do capital. Sejamos sinceros, se dependesse dos Bancos e das grandes corporações, como sairíamos dessa pandemia? Se algo se pode aprender, nesse aspecto, é de que na hora do risco e do medo o mercado se encolhe rapidamente e nada tem a oferecer, ou muito pouco, e o destino está muito mais nas mãos do Estado e seus líderes do que no jogo de interesses privados que o mercado sequer consegue regular mesmo em tempos de relativa normalidade. Talvez o Deus que Heidegger falava não seja nem o mercado e nem o Estado, mas então que Deus seria?

3. Em quem depositar confiança? Uma das questões que aparece como urgente e como lição ofertada por este que não ouso dizer o nome, é a da confiança. Parece fora de dúvida que confiar em Deus continua sendo essencial mesmo que se chegue ao limite de dizer que sem religião é possível viver, pois por muito tempo as igrejas ficarão fechadas e ninguém morrerá por conta disso. Igrejas vazias, contudo, não significa viver sem religião, fé, espiritualidade e esperança. A religião, a fé, espiritualidade e esperança continuarão sendo essenciais e, mesmo que as igrejas continuem fechadas, essas quatro dimensões continuarão ativas em nosso interior. O coração e a alma são seu lugar de culto e esse lugar não tem porta a ser trancada. Viver é necessário, mas não basta apenas viver, é preciso um sentido para viver e esse sentido vem da fé, espiritualidade e do que podemos esperar. Além disso há algo que parece se impor para depois do vírus, que não ouso dizer o nome. Penso, sobretudo, na urgente e necessária reversão do espírito de manada que confia no falso líder, mesmo que esse seja um mentecapto, que não se pauta pela razão, mas pela técnica sofística de negar o consensuado pela ciência, pela reta razão e o bom senso. Ou se aprende agora que é melhor confiar nas instituições sérias, na ciência do que na opinião e crenças religiosas e ideológicas, melhor confiar no jornalismo profissional a confiar em redes sociais com seus mecanismos de produção e reprodução de falsidade ou meias verdades, ou não teremos aprendido nada e estaremos de portas abertas para hospedar ainda maiores calamidades no futuro.

4. Ensaio do que virá: O vírus, que não ouso dizer seu nome, tem muito a ensinar, sobretudo, como prévia do que virá. A história tenderá a ser lembrada como antes e depois dessa crise sanitária, social e econômica de extensão, ainda, incerta. Mas, não só isso. É bem provável que esse vírus seja um pedagogo a nos conduzir com a mão para nos alertar e nos prepararmos para algo ainda mais assustador. Não é hora de discursos apocalíticos e não me cabe, aqui, fazer. Contudo, ninguém está se dando conta e, por ora, fica em último plano e sem manchetes na grande imprensa e fora do horizonte pessoal de preocupações, uma questão que se apresentará logo aí adiante e que se abaterá, não menos impiedosamente, sobre as novas gerações. Estou pensando, aqui, na emergência climática. Ainda estamos no começo da pandemia e seria temerário fazer projeções, mas, não é fora de propósito imaginar que as mudanças climáticas (aquecimento global, eventos extremos como secas, incêndios, tufões, maremotos etc.) e as catástrofes que dela virão, talvez, sejam ainda mais dramáticas e, quem sabe, esse vírus, que não ouso dizer seu nome, pode estar nos preparando, psíquica e emocionalmente, para termos energia suficiente para enfrentá-las. Nesse aspecto, o vírus, que nos obrigará a rever comportamentos, sobretudo de contato e aproximação, já está prestando um serviço educativo para nos prepararmos para o que virá. Inclusive nos preparar para outras pandemias, ou uma segunda e terceira onda dentro da mesma. Não subestimemos a força oculta da natureza e da mãe terra que pode se tornar uma madrasta violenta e hostil. 

5. O Descanso da natureza e a vida dos animais: Um quinto ensinamento do vírus, que não ouso dizer o nome, é de que se a humanidade diminuir a violenta agressão à natureza, esta se recuperará rapidamente. Uns até pensam que seria bom que a humanidade diminuísse em um bilhão (talvez seja melhor mudar de forma de vida do que desejar a morte de tantas almas) de habitantes na terra para que ela respirasse aliviada e se refizesse da exploração desenfreada que sofreu nos últimos dois séculos. Com menos gente e menos demanda, os rios voltariam a encantar como ninho de biodiversidades e quem sabe o mar deixaria de ser um depósito de plástico e as florestas mostrariam, novamente, seu esplendor. Em algumas cidades, tanto da China quanto da Europa e, certamente, em outros lugares do mundo, a poluição e os gases de efeito estufa diminuíram drasticamente em menos de vinte dias de paralisação da atividade humana por conta do vírus. O que seria do planeta terra sem o humano? Essa é uma pergunta hipotética e radical, mas dá o que pensar. O que seria? Certamente, perderia a nobreza do seu filho mais ilustre. O humano é a terra que anda, sente e pensa. Sem a humanidade a terra perderia a consciência e a espiritualidade. Não seria nada desejável. Contudo, a terra continuaria seu curso como hospedeira da comunidade de vida. Mas, como disse, a pergunta é radical e não está no horizonte factual. Só serve como hipótese e exercício do pensamento. E o que falar dos animais? O que seria dos animais sem o humano? Ouso pensar que tanto o meio ambiente quanto os animais agradeceriam a ausência dos humanos Não dá para negar que temos sido o terror dos animais por milênios e intensificamos esse terror com as tecnologias atuais de criação, com confinamento e mortes de 70 bilhões por ano. Se para o humano o confinamento é dramático, por que não seria para os animais? O nosso confinamento é temporário e por alguma razão consciente e temos o entendimento de que é temporário. Mas, e os animais que não entendem o motivo e não estão em confinamento temporário. Dá para imaginar o sofrimento dos animais em confinamento permanente? Até agora não imaginávamos porque não tínhamos experiência pessoal, mas, agora, temos. Será que não seria o caso de anotar como ensinamento que o que não vale para o humano não deveria valer para o animal? O mundo humano parou por dias, mas para salvar a si mesmo. Quem sabe, paremos de comer carne em excesso e paremos de explorar a natureza sem dó e sem piedade! Não seria possível? E não seria bom? Não nos tornaríamos melhores e prestaríamos o maior dos bens ao meio ambiente e aos animais? Se sim, então, por que não? E quem sabe quantas doenças, inclusive virais, poderiam ser evitadas?

6. O corpóreo e o virtual: O trabalho e a técnica trouxeram a humanidade até onde estamos e possibilitaram as nossas maiores aventuras, epopeias e, inclusive, claro, tragédias. Com o trabalho e a técnica - nossa dimensão Homo Faber - criamos mundos à nossa imagem e semelhança, onde antes reinava a natureza em estado puro. Revolucionamos o transporte pela terra, água e ar, criamos máquinas que substituem a força física, passamos por várias revoluções tecnológicas e, hoje, estamos na era da internet, das redes sociais que estão mudando o mundo que, até então, conhecíamos. O distante ficou próximo e o próximo ficou distante. A internet nos colocou a todos em rede de relações e comunicação quase infinitas. Antes da pandemia o lamento era que o celular e o virtual era causa de afastamento dentro da mesma casa e isso interpretávamos como sendo ruim. Agora, o que há de melhor do que nos afastar fisicamente e mantermos relações virtuais? Louvado seja o celular que nos ajuda atravessarmos os longos dias de isolamento. Já imaginou uma casa cheia de gente sem ter o que fazer e sem internet? Há um paradoxo aí que dá o que pensar. Se, agora, o melhor que se pode fazer é se distanciar e ficar nas relações virtuais, é preciso que se diga, também que, talvez, o que cada amigo e amiga, o que cada criança, cada mãe e pai, avô e avó mais desejam e necessitam, nesse momento, seja de um abraço, um carinho e um beijo demorado. Sem falar do quão duro tem sido ficar sem poder se aproximar do outro, tocar o outro, segurar a mão do outro. A mesa ficou mais triste pela distância corporal. As igrejas ficaram tristes sem corpos em prece, os campos de futebol ficaram sem vida e até o morrer ficou mais melancólico sem a presença física para acompanhar na travessia de quem parte. O corpo, agora, se tornou um vilão e um perigo, mas, quando essa pandemia passar, ele voltará a ser o que temos de mais sagrado e que merecerá todo cuidado. E, sobretudo, aprenderemos, enfim, que o virtual, por útil que seja, não está à altura da presença, do toque, do abraço, do olho no olho e no face a face. 

7. Nosso modo de ser e estar no mundo: Nosso modo de ser no mundo tem- se pautado pela capacidade de consumir. Somos o que consumimos. Por isso, o desespero de pensar uma vida no depois da crise, caso haja uma brutal recessão. O ter e consumir são, das espécies de vírus, as mais letais, sobretudo para a natureza e para os animais. Somos seres carentes e em falta e o consumir é tão natural quanto respirar, contudo, não é natural que a sociedade e os indivíduos se pautem e se identifiquem, quase exclusivamente, pela capacidade de consumo. Há tantas formas possíveis de ser. Ser o que se consome deveria ser a última forma de identificação. Mas, tem sido “a forma”. Pelo fato de sermos seres desejantes, em falta, em carência ontológica, em busca de ser, o que diz o que somos ou seremos, são nossas escolhas. Somos o que escolhermos ser, já que não nascemos prontos. E, há muito tempo, escolhemos ser consumidores. Somos um ser que consome. E isso não é natural. Pelo menos não como constituição ontológica, ou se quiser, como a nossa forma essencial de ser. O consumir é para sustentar o ser, mas o ser não pode se igualar ao consumir. É possível ser criativamente, inventivo contemplativo, meditativo, vivendo com o mínimo necessário e não com o máximo possível, inclusive não entrando na dinâmica do ter e consumir, como é o caso dos místicos de todos os tempos que insistem em dizer que só há uma coisa que aplaca o nosso desejo de ser e, mesmo recebendo vários nomes, todos eles respondem por uma palavra: Deus. Mas, nem todos somos místicos e franciscanos e o sistema capitalista não lhe dá importância, assim como não dá importância aos idosos que já não produzem e pouco consomem. O vírus, enfim, pode nos ensinar de que nada vale ter tudo o que se quer e se deseja e estar à mercê de um minúsculo ser, que nem vivo é, e que, a qualquer momento, pode pôr fim à vida. Qual o legado de uma pessoa que viveu pensando em ter e consumir? Será esquecida no dia seguinte. É ilusão pensar que estamos no controle. Ninguém está no controle e a lição de humildade e de cuidado, afeto e amor com o que é frágil não deveria ser perdida de vista, pois são o que dão sentido à vida. Quem sabe, aprendamos que o importante mesmo é interrogar-se sobre qual o sentido da nossa existência, a que viemos, para onde iremos e o que deveríamos fazer para merecermos continuar sendo. Talvez a lição que podemos tirar é de que a vida não merece ser vivida sem ser analisada e interrogada no seu porquê e na hierarquia de valores que a pauta.

8. Mudança de hábitos: Sobriedade feliz: Muitas coisas voltarão à rotina depois que o tsunami passar. E como era boa a nossa rotina antes do vírus, mesmo com seus problemas. Quem não gostaria de tê-la de volta? Agora é que nos damos conta de quão boa era a liberdade de ir e vir com medo de “apenas” ser assaltado. Que saudade das pequenas coisas que se podiam fazer antes e que, agora, são apenas desejos incontidos. Até os dias menos interessantes antes do vírus eram melhores do que os melhores durante a pandemia. Muitas coisas voltarão à rotina, mas muitas, nunca mais. Já não dará mais para envelhecer com serenidade e com o mínimo de despreocupação. Já não dará para viver sem um pouco de obsessão pela limpeza, sobretudo das mãos. Vai demorar algum tempo para ver e, sobretudo, tocar o outro sem medo. Contudo, mais do que o que não poderemos mais fazer despreocupadamente, a lição que o isolamento social pode nos oferecer são os bons hábitos que adquirimos nesse tempo. Penso, em primeiro lugar, na paciência. Quem sobreviver ao isolamento terá aprendido que é preciso ter paciência, saber esperar, respirar duas vezes antes de se estressar e ir para o ataque. Em tempos de confinamento não dá para se estressar facilmente, falar alto, gritar e, depois, sair porta afora. Sem a facilidade do “porta afora”, fomos obrigados a nos conter e exercitar a paciência na convivência com o outro, seja marido e esposa, seja filhos e pais e irmãos entre irmãos. Para que perder a paciência com pequenas coisas se aprendemos que o que vale é preservar o essencial? Além disso será fundamental ter aprendido e manter para depois, a diversidade de pequenas atividades e ocupações caseiras para não decair na monotonia e no vazio. Penso, aqui, no hábito de leitura, de silêncio e meditação e de algum hábito de exercício diário do corpo, seja parado ou caminhando. Quem, durante o confinamento, não desejou ardentemente caminhar? Então, que no após confinamento esse seja um hábito incorporado. E, finalmente, para quem sabe tirar lições da vida terá aprendido a valorizar as oportunidades que temos na vida e terá valorizado a viver de uma forma simples, sem luxos e sem ostentação de si, integrando corpo e mente e não desejando mais do que se é e não desejar estar em outro lugar senão o que ocupa, fórmula final da felicidade. Sobriedade feliz, enfim!

9. Um Novo Ethos para um novo tempo: Heidegger define a ética como “um modo de habitar o mundo”. Nada mais acertado. Há modos e modos de habitar o mundo. Há o modo violento e destruidor de habitar o mundo, assim como há o modo fraterno, responsável e cuidadoso de habitar o mundo. Há o modo ativo, produtivo e consumista de habitar o mundo e há o modo reflexivo, contemplativo e meditativo de habitar o mundo. Há o modo fraudulento, mentiroso e individualista de habitar o mundo e há o modo verdadeiro, justo e solidário de habitar o mundo. Há o modo egoísta e há o modo generoso de habitar o mundo. Há modos e modos de habitar o mundo. O sistema-mundo, que nos acostumamos a viver e reproduzir, não poderá prevalecer depois da pandemia. Ele estava baseado na concorrência, no lucro, na exclusão e na lógica do mercado. Ou optamos por uma vida mais modesta, humilde, que alie e sintetize o que há de melhor nas experiências de planejamento, precaução, cuidado e responsabilidade ou o futuro não nos sorrirá. Ou daremos mais valor ao comunitário, associativo, participativo e socializante, ou não terremos paz e futuro. O que o vírus pode nos ensinar de definitivo é que somos um corpo em contato com outro corpo formando o corpo humano e se um adoece e passa mal, todos somos ou deveríamos nos sentir afetados. De agora em diante teremos que enfrentar uma realidade nunca imaginada, que é não poder saber qual a circunferência do próprio corpo. Onde exatamente termina o meu corpo e começa o corpo do outro? A pele já não é mais o limite do corpo e isso muda tudo. Muda a relação consigo e com o outro. Me amar e me cuidar é cuidar do outro. E desejar que o outro esteja bem resultará em bem a mim mesmo. Por outro lado, se o outro está mal, eu estarei em perigo! A fraternidade e a solidariedade serão, de agora em diante, um dever civilizacional. E mais, as pandemias não respeitarão corpos, apesar da sua fortuna externa, e nem preservarão os empresários e levarão os trabalhadores. A lição, nesse aspecto, é de que o capital não é nada sem o trabalho e se o trabalhador parar, tudo para. Um sistema-mundo que preserve e empodere os mais vulneráveis e que diminua as desigualdades não é mais uma opção, será a única opção sensata. Se não conseguirmos, estaremos todos à mercê da sorte. 

10. O que não mata fortalece: É de Nietzsche a frase “o que não mata, fortalece”. É preciso ter esperança que sairemos mais fortes dessa pandemia. Olhando desde a perspectiva histórica, a esperança não se retira deixando somente o medo como alternativa. A humanidade já enfrentou catástrofes, pestes que dizimaram a metade da população em alguns países, guerras terríveis e situações de fome e morte por todos os lados. E venceu! Mas, isso não é automático. É preciso querer aprender tanto com o passado quanto com o que está acontecendo para se fortalecer para o que virá. Só há um caminho, ou nos salvamos todos ou nos perderemos a todos. Num mesmo barco nós navegamos e a um mesmo fim nos há de levar. Ou todos juntos sobrevivemos ou juntos vamos nos afogar. Se continuarmos desprezando a ciência, os fatos, o bom senso e a razão, então, perderemos mais uma oportunidade e a pandemia e o sacrifício que ela impôs terá sido em vão.

Comentários

Eliziane Botelho disse…
Como sempre,excelente reflexão.
Unknown disse…
Gostei muito, essa criatura cujo nome não é para escrever é um bom professor..Mas que acabe logo essa disciplina!
Unknown disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse…
Interesante Gilmar. Obrigado. 👋👋👋🙏🙏🙏
Luís disse…
Gilmar Zampieri: nada mais oportuno, inteligente e toca nas urgências de nossos tempos. Grato e um abraço, Luís E Hinrichsen
Gilmar Zampieri disse…
Obrigado a todos que leram e deixaram seu comentário aqui. Abraços fraternos. Gilmar Zampieri
Obrigado, Gilmar, pelo texto. Diante do que aí está, não podemos abrir mão do ato do pensar. Ha muito o que pensar com o evento que assombra o mundo.
Geovani Leite disse…
Zico, como sempre, um excelente mestre que traz lucidez para o nosso intelecto. Um texto muito oportuno para o momento. Abraço!
Vera Nunes disse…
Sensaciona!!! Amei te ler, texto maravilhoso. Tô só por esse momento delicado passar e sentir os abraços dos amig@s e isso inclui o teu super abraço. Saudades meu querido Professor 🤗
Vera Nunes
DalcimIgnacio disse…
Obrigado, GILMAR, oportunidade de refletir assim, de forma mais global: do quanto somos frágeis, da importância do Estado para socorrer a todos e de modo especial os mais vulneráveis, da necessidade da preservação da natureza, do valor do convívio social, de sempre se perguntar de onde viemos e para onde vamos, de que só Deus nos completa... e até senti saudades das aulas de antropologia com dom Cláudio Hummes.(Ignacio Dalcim)
Gilmar Zampieri disse…
Obrigado Ignacio Dalcim! Abraços
Ótimo texto. Muito interessante para ser trabalhado em grupos de estudo.Traz uma visão bem abrangente e propõe uma profunda reflexão.
Ótimo texto. Muito interessante para ser trabalhado em grupos de estudo.Traz uma visão bem abrangente e propõe uma profunda reflexão.

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