A PREGUIÇA
A preguiça é o pecado contra a diligência. A diligência é uma virtude, a preguiça é um vício. A diligência é a virtude da presteza e zelo na execução de alguma tarefa ou missão. A preguiça é o pecado da inação e da inércia. O diligente está sempre disposto a dizer sim, o preguiçoso, a dizer não. O diligente está sempre pronto e de mangas arregaçadas, o preguiçoso está sempre de pernas e braços atados por uma corrente invisível, que só não lhe pesa mais do que a má consciência pela vontade culposa. Sim, a vontade é culposa pois o pecado da preguiça é uma repugnância voluntária ao trabalho e à ação. Disso se deduz que não há pecado da preguiça lá onde o indivíduo está fatigado, cansado e exausto. Não se pode confundir preguiça com necessidade imperiosa de parada física e mental. Logo, o pecado da preguiça nada tem a ver com o merecido descanso, lazer e atitude contemplativa.
Mas, que mal há na ociosidade, no relaxamento, no espreguiçamento prolongado num dia de feriado ou no domingo? Nenhum, absolutamente, nenhum. Que mal pode haver em não ter vontade de ir à aula num dia frio e chuvoso, ou não ter vontade de fazer a caminhada diária, levar o lixo na rua ou lavar a louça? Nenhum, absolutamente nenhum, ou, no máximo, um pecadinho venial. Não é desse tipo de preguiça que os mestres da espiritualidade estavam pensando quando listaram a preguiça entre os sete pecados capitais. Eles pensavam em algo bem mais grave.
A preguiça, listada entre os sete pecados capitais, é aquela preguiça que compromete a saúde espiritual do seu portador. Não é uma preguiça física apenas, mas mental e espiritual que suga a vitalidade e enreda seu possuidor na rede da apatia. O apático não se mobiliza, não age, não reage, não empreende, não trabalha e se afunda no sofá da tristeza. A preguiça corrompe o que há de melhor no humano, isto é, a boa vontade no cumprimento de um dever, de uma missão, de uma tarefa ou vocação. A preguiça corrompe o espírito que anima a boa vontade. E a boa vontade pervertida abre as portas para todos os vícios.
O
preguiçoso perverte a boa vontade e perverte o espírito de superação, de crescimento,
de elevação a que foi destinado e se puxa para baixo, fazendo corpo mole,
satisfazendo-se em ser galinha sabendo e podendo ser águia. O preguiçoso mata,
na raiz, a possibilidade de ser melhor, acomodando-se e satisfazendo-se em ser
menos. O preguiçoso sabota a si mesmo, preferindo ser menos, onde poderia ser
mais. O preguiçoso se arrasta quando poderia voar, se anula quando poderia
fazer a diferença, se ofusca quando poderia brilhar e se satisfaz com a
mediocridade quando poderia alcançar a excelência.
A
preguiça, quando passa de momentos para um estado permanente, recebe o nome de
acídia. A acídia é o pecado da tristeza que deprime o ânimo, causa tédio, melancolia
e um torpor mental que impossibilita a iniciativa de fazer qualquer ato bom. A
acídia mais do que preguiça, é indiferença absoluta e imobilizadora. Há uma
ambiguidade de tal forma nesses dois conceitos que o Catecismo da Igreja
Católica, quando enumera os sete pecados capitais, o faz assim: soberba,
avareza, inveja, ira, impureza, gula, preguiça ou acídia. Preguiça ou acídia?
São sinônimos? Se sim, porque colocar os dois? Se não, então seriam 8 pecados
capitais? É no mínimo curioso e fica, aqui, apenas a provocação...!
É
muito espirituoso, jocoso e
bem-humorada a sacada do poeta gaúcho Mário Quintana que diz que a preguiça é a
mãe do progresso e se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria
inventado a roda. Ou, ainda, que a preguiça só pode ser uma virtude visto que o
preguiçoso, por inação, não cometerá os outros pecados capitais. Serve como
provocação e como humor inteligente, mas desvia do essencial. E o essencial é
que o preguiçoso tem o hábito de descansar antes mesmo da fadiga e, por conta
disso, é um coveiro de talentos e habilidades do que terá que prestar contas.
Desconheço dois textos bíblicos mais claros e
emblemáticos, no julgamento da preguiça como pecado, dos que seguem:
“Anda, preguiçoso, olha a formiga, observa o
seu proceder, e torna-te sábio: sem ter um chefe, nem um guia, nem um
dirigente, no verão, acumula o grão e reúne provisões durante a colheita. Até
quando dormirás, ó preguiçoso? Quando irás te levantar do sono? Um pouco
dormes, cochilas um pouco, um pouco cruzas os braços e descansas, mas te
sobrevém a pobreza do vagabundo e a indigência do mendigo” (Pr. 6,6-11).
Como ler essa passagem bíblica e não lembrar
da fábula da formiga e da cigarra contada por Esopo, La Fontaine e Monteiro
Lobato? Nas três versões da fábula a cigarra cantava enquanto a formiga
trabalhava e, quando o verão acaba e o inverno rigoroso bate à porta da pobre
cigarra, sem abrigo e proventos, esta, sem cerimônia vai até a casa da formiga
implorando socorro e ajuda. A formiga, surpresa, lhe pergunta: e o que é que
fez durante todo o verão enquanto nós trabalhávamos? A cigarra responde:
“cantava”. Pois então, dizem as formigas, “agora, dance”. Em Monteiro Lobato,
porém, o final é surpreendente e a ele remeto para não ser motivo de favorecer
a preguiça do leitor...!
O segundo texto é uma parábola contada por
Jesus. O texto, Mt 25, 14-30, é um pouco longo, o que não favorece a preguiça
e, então, eu arrisco um resumo. A parábola conta que o Reino de Deus é
semelhante a um homem que, viajando para o estrangeiro, confia aos seus servos
uma quantia de talentos, cada um segundo suas capacidades. A um, deu cinco
talentos, a outro, dois e ao terceiro, um. Imediatamente, o que recebeu cinto
talentos, saiu para trabalhar e multiplicou o que recebeu. Assim, também, com o
que recebeu dois talentos. O que recebeu um talento, abriu uma cova e o
enterrou.
Depois de algum tempo o homem voltou e foi
pedir contas aos seus servos. Os que multiplicaram os talentos os entregaram ao
seu senhor e recebem, em troca elogios e promessa de, a eles, serem confiados
ainda maiores empreendimentos, já que foram fiéis, zelosos e trabalhadores no
pouco. Mas o que recebeu um único talento, tentando se justificar, foi logo
dizendo que, por medo da severidade do seu senhor, enterrou o talento e o
estava devolvendo. Ao que, ouviu o que não esperava: “servo mau e
preguiçoso...servo inútil, lançai-o fora nas trevas. Ali haverá choro e ranger
de dentes”!
Comentários