A AVAREZA
A avareza é o pecado
contra a generosidade. A generosidade é uma virtude. A avareza é um vício,
assim como seu oposto, o perdulário. O perdulário gasta o que não tem, o
avarento retém até o que não é necessário. Ambos são viciosos. No meio está a
virtude, a virtude da generosidade. A generosidade é própria das pessoas livres
e agradecidas que experimentam uma saudável alegria em ter e em partilhar. O
avarento alimenta uma mórbida alegria em acumular e reter. O generoso abre a
mão, o avarento a fecha. O generoso reconhece e é agradecido a Deus, o avarento
idolatra os bens e o dinheiro. A ganância, a cobiça e cupidez são outros nomes
para o “apego excessivo aos bens materiais” que a avareza representa.
O ganancioso abocanha o
que aparece e cobiça o que não tem necessidade, mas, por vício, não deixa de
desejar ter mais, perturbando sua alma sem cessar. Kierkegaard dizia que Dom
Juan era um tarado metafísico, por desejar a “alma feminina” e como não a
encontrava em nenhuma mulher particular, desejava sempre a próxima mulher, na
sua insana busca sem fim. O avarento, por sua vez, diria eu, é um tarado físico
pois não busca a essência metafísica do ser, mas deseja o ser empírico, na
forma de quantidade de bens e dinheiro. Se pudesse, o avarento se casaria com
os bens físicos e não os abandonaria, na saúde e na doença...! O avarento
persegue o mal infinito da quantidade. Pobre alma a do avarento, mal sabe que
ao homem de nada adianta ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma. E
a alma do avarento não pertence a Deus, mas pertence aos seus bens! Já está
perdida, portanto.
A avareza é pecado,
pois subverte a ordem natural das coisas e subverte a reta razão. Não é natural
e não é da reta razão tomar os meios como fim em si mesmos. E é exatamente isso
o que o avarento faz. O avarento toma os bens e o dinheiro, que são meios, bons
e necessários, como se fossem fim em si mesmos, pervertendo-os. Ao invés de
fazer a alegria dos outros através dos bens que tem, se satisfaz em
simplesmente ter. A avareza subverte a ordem natural das coisas pois faz do
sujeito objeto e do objeto, sujeito. O avarento não é senhor dos bens, os bens
é que são seu senhor.
Falta sabedoria ao
avarento e merece uma dupla ironia pela sua mesquinhez em tudo possuir e reter.
Primeira: para que seguir os desejos se os desejos são infinitos e insaciáveis?
Seguir os desejos sem fim é como correr atrás do vento, pura ilusão. Segunda:
tu vais morrer e de nada adianta, no teu cortejo fúnebre, ser seguido por um
carro forte cheio de dinheiro e escrituras dos bens de tua propriedade...! Na
hora do cortejo, melhor será seres acompanhado por uma única pessoa a quem
tenhas ajudado do que todos os bens que tenhas cobiçado e adquirido, ou
roubado! Ou não?
O excessivo apego aos
bens materiais e o desejo desenfreado de ter sempre mais faz do avarento uma
alma perturbada e sem salvação, até que perdurar o seu estado de “espírito
faminto” e insaciável. O agravante na atitude avarenta é que não só torna o seu
portador um infeliz sem cura, mas sua atitude acaba resultando em dano e
sofrimento aos outros. Pecar é pecar contra si, contra Deus e contra os outros.
E o avarento peca contra os outros na medida em que o que retém, sem
necessidade, pertence, naturalmente, aos outros, mas lhes é subtraído. Via de
regra, o avarento é também, um ladrão. Sim, é forte dizer que o avarento é um
ladrão, mas talvez seja verdadeiro. Se os bens desnecessários que possuo e me
apego, falta aos outros, então eu guardo para mim o que não é meu, logo, sou
ladrão. Ou não?
O avarento é um
infantil. Freud, ao classificar as fases de desenvolvimento psicossexual de uma
criança, chamou uma delas de “fase anal”. Na fase anal a criança experimenta o
prazer no controle e na retenção do xixi e do cocô que deveriam ser,
naturalmente, liberadas. Mas, a criança fica entre “entregar à mãe” ou reter
para si, pois seria como tirar uma parte de si e puxar a descarga. A criança
saudável vence essa fase e segue o ciclo do desenvolvimento em direção ao dom
de si. Avarento é aquele que não superou e está preso na fase anal. O avarento
fede, para parafrasear o poeta Cazuza que dizia “a burguesia fede”...!
Comentários
Este primeiro texto esta claro, objetivo e de fácil compreensão. Faço votos de muita
saúde e felicidades. Jurandy da Silva.