A IRA
A ira é o pecado contra a mansidão. A mansidão é uma virtude, a ira é um vício. A mansidão é a virtude da moderação e do equilíbrio emocional que evita a explosão incontida da ira. A ira é o pecado da perturbação e descontrole das paixões que desencadeiam a violência e a vingança. A mansidão é do bem, a ira é do mal.
A ira é o mais perigoso, devastador e mortal dos pecados capitais. Se a mansidão é o controle das emoções, a ira é seu descontrole total. O irado solta a fera que habita em cada humano e destrói, a um só golpe, a fina e tênue casca da racionalidade, sensibilidade amorosa e civilidade que protege o humano de seus primitivos desejos instintivos. A ira despe o humano da capa de civilidade que o protege e, desnudado, regride, instintivamente, ao estado de natureza, onde as paixões imperam. A ira libera o animal que habita nos porões do nosso inconsciente coletivo e, quando isso acontece, é melhor sair da frente!
A ira cega os olhos da alma, endurece o coração, ruboresce a face, enrijece os nervos e parte para o ataque. A ira não conhece o recuo e não toma distância e ponderação. A ira é abrupta e faz o agente agir movido pelo sangue fervilhando. O irado move-se, irracionalmente, pela sede de vingança ou por algum tipo de medo. Aí está o seu pecado. Se não fosse por vingança ou por reação instintiva ao medo, a ira não seria pecado. Sim, pois existe a ira santa e esta não pode ser pecado, visto que é santa.
A
ira santa é uma pulsão instintiva, instalada, naturalmente, no corpo e na alma,
que salvaguarda os bens morais e espirituais da sua violação e reage quando da
violação. Nesse aspecto a iracúndia é uma espécie de “cão de guarda” que nos
protege da banalização do mal. A bíblia é prova de que a ira tem um lado bom,
um lado do bem, quando até Deus perde a paciência.
O
que faz a ira ser santa? Poucas ocasiões fazem a ira ser santa, mas em todas
elas o que está em jogo é algo essencial a ser preservado, o amor a Deus e ao
próximo.
Foi
por ira que Deus expulsou Adão e Eva do paraíso, enviou o dilúvio e destruiu
Sodoma e Gomorra. Foi por ira que Moisés matou um egípcio que, diante dele,
tinha matado um seu irmão Hebreu. Foi por ira que o mesmo Moisés despedaçou as
tábuas da Lei ao ver o povo adorando um bezerro de ouro.
Foi
por ira que Jesus toma um chicote e expulsou os vendilhões do templo. Em todos
os casos está a preservação do sagrado moral e espiritual. Não se pode deixar
que o essencial seja corrompido sem uma reação irada. Há situações em que a
mansidão é covardia e capitulação. O “dar a outra face”, “amar os inimigos” e
“abençoar os que amaldiçoam” é uma racionalização e uma pedagogia da libertação
necessárias e revolucionárias, porém, em determinas circunstâncias, não dá para
conversar e se entender mansamente e, nesses casos, a ira é santa, mas só em
casos muito especiais. Nesses casos especiais a ira tem uma causa boa e, então,
como diz Tomás de Aquino, “essa ira se chama ira por zelo”, desde que submetida
à razão.
O
que te deixa irado? O que te deixa irado diz muito de quem és. Se a ira for um
desejo inconfesso de vingança planejada, és um vulgar vingativo. Se a ira for
uma atitude rotineira diante de qualquer contratempo, então, és um humano
banal. Se a ira te assalta somente na defesa dos próprios interesses, porém não
na defesa de grandes valores da justiça e do bem comum, então, és,
simplesmente, egocêntrico. Contudo, se a ira se manifestar na hora da
preservação do essencial e do inegociável, lá onde a palavra e a mansidão não
alcançam, então, és, simplesmente, mental, moral e espiritualmente saudável.
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