OS SETE PECADOS CAPITAIS



O ser se diz de muitas formas, dizia Aristóteles. Parafraseando o filósofo poderíamos dizer que o mal se faz de muitas formas. Se o bem é monótono e monocromático, o mal é criativo e multicolorido.

A Bíblia precisou somente de uma página, a primeira, para descrever o Bem e a Beleza da criação. O restante das Escrituras Sagradas é reservado para a guerra, inveja, mentira, traição, o orgulho, ira, egoísmo, e múltiplas violências e maldades. Até mesmo o Novo Testamento é permeado de tramas do mal em que Jesus mesmo se vê enredado até a morte...! Aliás, Jesus, o que só fez o bem, quanta dor e sofrimento lhe foi imposta, “por nossos pecados”!

Na Divina Comédia, de Dante Alighieri, ocorre algo parecido. A matéria prima para a representação do céu é parca, mas é farta para a descrição dos horrores do inferno, fruto do mal. Isso não significa pessimismo antropológico, mas “volta às coisas mesmas” da “vida como ela é”. E “vida como ela é” seria falseada se a pensássemos fora da potência do mal que teologicamente chamamos de “pecado”. Nem tudo é pecado, por certo, contudo seria autoengano desconhecermos e relativizarmos o “mistério da iniquidade” que nos acompanha como uma sombra a cada movimento da vida.

Falar de pecado, hoje, parece anacronismo, coisa fora do tempo. Vivemos tempos plurais e a sociedade não se pauta mais pelo religioso e essa nova situação reduz o status e nitidez que o pecado adquiriu na tradição. Os tempos pós-modernos transformam em líquido tudo o que já foi sólido. Tudo vira fumaça e desmancha no ar, inclusive o pecado.

Nesse contexto, falar em pecado e nos Sete Pecados Capitais parece desmancha prazeres e, no mínimo, fora de época. Mas, será mesmo fora de época? Com todos os males cometidos e experimentados em nosso tempo, o que está acontecendo que já não conseguimos falar naturalmente dos pecados? Será que estamos vivendo os tempos da morte de Deus, como disse Nietzsche e, sem Deus, tudo seria permitido, como dizia Dostoievski? Será? Será que agora só há crime, mas já não há pecado?

É possível e até provável que a consciência do pecado tenha arrefecido e as pessoas já não tenham a mesma relação existencial e sacramental com ele. É bem provável que poucos ainda confessem seus pecados e o que já foi pecado, já não é mais. Os tempos mudam e com eles os valores e a consciência religiosa e moral.

Contudo, se podemos falar em mudança na consciência e na percepção do que é ou não pecado, talvez tenhamos que insistir no que é constante e não muda, apesar da relativização da percepção. Não é porque resolvo chamar meu cachorro de pássaro que ele vai sair voando.

Nesse aspecto, mesmo em tempos líquidos e de pluralidade quase infinita, em tempos que alguns identificam como “pós-religioso”, mesmo nesse tempo, será possível contestar a ideia de que tudo o que degrada a dignidade humana pode ser chamado de pecado? Talvez o acento não esteja mais na metafísica definição de Agostinho que diz ser o pecado “uma palavra, um ato ou um desejo contrário à lei eterna”. Sim, talvez o acento tenha que recair em “uma palavra, um ato contrário à dignidade humana”, mais do que uma “ofensa à lei eterna”, mas, mesmo assim, continua sendo pecado, outro nome para as injustiças e violências que os humanos cometemos.

Como não ver pecado na soberba, na avareza, luxúria, inveja, gula, ira e preguiça? É fato que os pecados capitais dizem respeito ao sujeito que os porta, mas não é menos real as consequências para os outros das atitudes que, aparentemente, só dizem respeito ao comportamento pessoal e subjetivo do pecador. A pessoa soberba menospreza e humilha o outro e por isso é pecado, contra si e contra o outro. A luxúria faz do outro um simples objeto de prazer e por isso é pecado, etc.

Os Pecados Capitais são pecados exatamente porque aviltam e corrompem a condição humana, a do portador e dos outros, e são capitais por engendrarem e darem origem a tantos outros.

Nos próximos artigos tratarei de cada um desses pecados mostrando como os humanos se enredem eternamente na hybris, em excessos e desmedidas, e só podem ser salvos pela graça externa e pela prática das virtudes. As Virtudes, aliás, antecipo, serão o tema de uma série de textos, que traremos à luz, após essa publicação sobre os Pecados Capitais. Nada define melhor o humano do que esse ser que se equilibra na balança dos pecados e as virtudes. Qual prato pesa mais em você?

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