DE VOLTA À RELIGIÃO E À FILOSOFIA


A filosofia e a religião tratam daquelas “preocupações últimas” sem as quais a vida humana se reduziria ao biológico, sem alcançar a dimensão intelectual e espiritual. Uma vida biológica, uma barata também tem!
De onde viemos? Para onde iremos? O que podemos esperar? Qual o sentido da vida? Há sentido no sofrimento e na morte? O que é o homem? Essas “perguntas últimas” nos acompanham da idade da razão até o último dia da existência. Não há como delas fugir, pois na fuga elas iriam junto...!
Uma vida não analisada não vale a pena ser vivida, dizia Sócrates, com o qual concordo. Uma vida analisada passa por essas perguntas, que na ótica de Sócrates resumem-se ao “conheça-te a ti mesmo”. O conhecer-se, por sua vez, passa, necessariamente, do filosófico ao teológico, mediado pelo antropológico. Isso significa, quem somos na relação com os outros, com o cosmos e com Deus?
Luc Ferry, filósofo francês contemporâneo, diz que a filosofia difere da religião não nas perguntas, mas nas respostas. A filosofia, diz ele, é uma “doutrina de salvação sem Deus”. A religião, uma “doutrina de salvação com Deus”. A salvação e a perdição dependem do êxito ou do fracasso das respostas às questões últimas. Temos tido, até agora, mais êxito do que fracassos, mais gente querendo viver do que se suicidando, mas estamos entrando num processo de crise de sentido sem precedentes, o que nos obriga novamente a tarefa de pensar. A não ser que eu esteja redondamente enganado e comer, beber, dormir, namorar, seduzir e ser seduzido, casar, criar os filhos, passear, planejar férias na praia, ir ao Shopping e pagar as contas, seja suficiente para o sentido da vida...! É possível que eu esteja engando, mas suspeito que ainda não viramos baratas...!
A bem da verdade, Ferry não está sozinho nessa percepção. A tradição inteira, pelo menos a ocidental, foi um esforço reiterado, bem ou mal sucedido, de resposta às questões últimas. Da bíblia à Nietzsche, a religião-teologia e a filosofia outra coisa não foi senão uma “doutrina de salvação”. Não dá para esperar que a economia, a política, a medicina, a psicologia ou qualquer das ciências particulares sejam uma doutrina da salvação. Uma doutrina de salvação trata das questões últimas e essas ciências tratam de questões penúltimas. Para viver basta responder as questões penúltimas, mas para “bem viver” é preciso filosofia e religião, sem as quais não nos distanciamos das baratas!
Ultimamente parece que estamos dando demasiado importância à política e à economia como substitutas para uma “doutrina da salvação”. O que era salvação penúltima virou salvação última. A filosofia e a religião foram suplantadas pela economia política ou pela política econômica. Passamos de uma “economia da salvação”, expressão usada pela teologia para dizer como Deus administra a salvação, para a “salvação pela economia”, como dizia Max Webber. Contudo, hoje, a própria economia está em perigo e precisa de salvação. Se a salvação vem da economia e a economia está em perigo, então já só um Deus poderá nos salvar.
O problema está de volta. Será preciso repor a filosofia e a religião como “doutrinas da salvação”, pois somente essas duas áreas do saber humano tematizam aquelas questões últimas e podem, minimamente, lançar luzes na escuridão das crises de toda ordem, sobretudo a crise de sentido operada pela usurpação das ciências das “questões penúltimas” que se apossaram do lugar das ciências das “questões últimas”.
A questão que se coloca é se ainda será possível alimentar esperanças olhando o espectro das religiões que se oferecem como doadoras de sentido. Há muito aproveitador e charlatãs nesse meio, sobretudo nas novas manifestações religiosas que prometem salvação no mercado religioso. Sim, a religião também virou mercado, o que nos põe uma grande interrogação quanto a capacidade e a confiança que possamos depositar nas religiões para a nossa salvação. Mas, não dá para jogar fora a criança junto com a água suja.  Será que inda sabemos distinguir a criança da água?
A filosofia, por sua vez, está fora do mercado e só teimosamente sobrevive nesses tempos pós tudo: pós-verdade, pós-utopias, pós-ideológico, pós-sistema, pós-razão, pós-moderno. O consumo e o pragmático tem ditado as regras e a filosofia tem-se reduzido à filosofia da lógica, da linguagem, filosofia da mente e ética. A filosofia como ontologia ou metafísica perdeu cidadania no universo filosófico e isso tem diminuído o seu poder de enfrentamento às questões últimas que sempre foram as suas questões preferenciais.
Nesse cenário, o retorno ao religioso e ao filosófico, para ser frutífero, terá que ser necessariamente rigoroso, audaz, profético e com capacidade de interdisciplinaridade sem perder seu caráter de transdisciplinaridade. Isso significa que será preciso dialogar com a economia, política, psicologia, com a física e as novas linguagem da comunicação, mas sem perder a tematização do ”Ser enquanto ser”.

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