ABORTO
Enquanto os argumentos de ordem éticas e de crenças disputam na arena da razão ou da fé, as mulheres, com ou sem o consentimento do homem que a engravidou, que deveria ser conduzido coercitivamente na mesa da conversa, pois geralmente se esquiva, continuam e continuarão a praticar aborto. No Brasil, em que o aborto é proibido, salvo em três situação, má formação do feto por anencefalia, perigo de morte da gestante e estupro, os dados extraoficiais dão conta que mais de 1 milhão de abortos clandestinos acontecem a cada ano. E mais de 1.200 mulheres morrem, anualmente, devido a complicações resultantes de abortos clandestinos. A criminalização, apesar de nenhuma mulher e nenhum homem que a engravidou, e praticou aborto, estejam presos, como prevê o código penal brasileira, não tem sido uma boa solução. Há algo de errado quando a lei não é praticada e aplicada. Pode ser que a lei, nesse caso, esteja equivocada.
O fato da prática do aborto clandestino não recuar e do constante perigo da morte da gestante, devido as precárias condições técnicas a que se submetem para praticar o aborto, tem colocado uma interrogação de dupla ordem na agenda do debate em torno do aborto. Uma é a ordem da legalidade e outra é a ordem da eticidade.
Na ordem da legalidade discute-se o porquê não descriminalizar a prática para evitar, pelo menos, a violência contra a mulher, sobretudo das pobres, já que as ricas praticam aborto em clínicas especializadas com todas as condições que a medicina pode oferecer? E mais. Argumenta-se que se o aborto fosse legal, o número de abortos cairia devido a educação e a campanhas permanente de planejamento familiar e educação sexual. São posições respeitáveis...
Mas, o nó górdio do debate está na ordem ética. E nesse âmbito três parecem ser as posições principais.
A primeira e mais forte das posições é a conservadora. O argumento conservador é muito simples. Ele nega absolutamente o aborto e ponto. E, segundo a recente investida de representante dessa posição no congresso, até mesmo em caso de estupro, perigo de morte da gestante e má formação fetal. Os conservadores são dogmáticos e não aceitam exceções. Essa rigidez moralista tem algo de irracional, farisaico e movida por interesses inconscientes insustentável à luz da razão e da fé adulta. Uma posição dogmática e principialista, sem contexto, não consegue lidar com o real e paradoxal que exige decidir entre interesses conflitantes de vida, como é o caso do estupro, ou perigo de morte da gestante. Não é razoável ficar com o princípio e rir da realidade das mulheres envolvidas no drama.
A segunda posição de ordem ética é a feminista. Aqui também a posição é simples. As feministas, pelo menos uma parte delas, defendem que a mulher tem direito sobre o próprio corpo e, portanto, ela é quem deve estabelecer as regras, isto é, ela é que deve decidir se deseja levar uma gravidez até o fim ou não. O calcanhar de Aquiles dessa posição teórica é que parece ser insustentável a ideia de que o “egoísmo ético” seja uma posição suficiente para lidar com o complexo mundo da vida. Sim, o “egoísmo ético” é o que fundamenta a posição das feministas, nesse caso. Será mesmo que o meu corpo me pertence? Sim e não. Eu posso simplesmente decidir vender um rim? Não estou dizendo doar para quem precisa. Estou dizendo vender. Eu posso vender um rim? Não posso. Mas se o corpo me pertence, então deveria poder, não? No caso do feto há um complicador, pois ele não é propriamente uma parte do corpo...
A terceira posição é a utilitarista. O utilitarismo ético diz que o bom é o que causa bem-estar, prazer, felicidade e o mal é o que causa dor, sofrimento e mal-estar. Ora, no caso do aborto é preciso ponderar, dizem os utilitaristas, para qual lado da balança está o peso maior e menor do bem. Não há valores absolutos e o que importa são os resultados. Se o resultado e a consequência for bom para o interesse da mulher e não for mau para o interessa do feto, então, legitimado está o aborto. Nesse caso não pode haver sofrimento e mal-estar para o feto, e por isso a prática do aborto dever ser feita até a décima segunda semana, período em que não há ainda formação cerebral no feto, e portanto, sem senciência. O calcanhar de Aquiles dessa posição ética é de que enfraquece o conceito de direito à vida, banalizando o mal, mesmo que sob o argumento sedutor e razoável do “mal menor”.
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