SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Sobre São Francisco de Assis já se escreveu e se disse
tanto que seria ousadia, sobretudo por um não especialista, pretender dizer
algo de novo. Não é o inédito que se busca aqui. A busca pela novidade e o
inédito é uma doença da modernidade que desaprendeu a valorizar o essencial e o
constante antropológico e não, simplesmente, a novidade pela novidade. O que
seria o essencial na figura de São Francisco de Assis e que não deveríamos
perder de vista? Arrisco um decálogo:
1. Conversão de vida: Francisco levou a sério a passagem bíblica em que um
jovem chega até Jesus e pergunta: que eu devo fazer para ganhar a vida eterna? (Mt
10, 17-30). Jesus lhe diz para praticar os mandamentos. O jovem diz que isso
ele faz naturalmente. Então Jesus lhe diz: se queres mais, então vai, vende
tudo o que tens, distribue aos pobres e, depois, vem e segue-me. O jovem do
evangelho não esperava por essa. Ficou muito triste e foi embora, pois era
muito rico. Pois, Francisco era filho de um comerciante rico, um burguês, mas
deixou tudo para trás e saiu, nu, da casa paterna para viver com Jesus, pobre
entre os pobres.
2. Conversão de sentimentos: Não dá para imaginar que,
naturalmente, alguém possa gostar de estar junto aos doentes, sujos, feios,
leprosos, abandonados, moradores de rua, velhos e mendigos etc. Uma alegria
momentânea, na hora de um gesto de ajuda é, até, compreensível, mas depois,
nós, homens e mulheres “normais”, voltamos para o conforto de nossas casas e a
vida segue. Mas, Francisco não fez isso, ele simplesmente não voltou mais para
casa. O que lhe era amargo se tornou doce. O que era repugnante se tornou
atrativo. O feio se tornou belo. Ele se deu conta que Jesus mora no abandono e
ser e estar com os pobres é ser e estar mais próximo possível de Jesus. Quem
não gostaria de estar com Jesus e bater um papo com ele?
3. Conversão eclesial: A sacristia e os sacramentos não são desprezados por
Francisco, mas não são a sua praia. Ele não quis e não foi Padre. Não se
instalou num convento ou igreja, esperando o povo e o acolhendo. Ele saiu para
as periferias geográficas e existenciais e lá permaneceu. Não brigou com a
Igreja do centro, mas preferiu viver e ver tudo a partir dos morros, das
periferias, das margens da cidade e da Igreja.
4.
Conversão política e social:
Francisco, pobre entre os
pobres, não foi um militante político ideológico. O horizonte de sua vida e
ação era, antes, teológico e religioso. Mas não era um ingênuo ou um
oportunista político. Não fazia caridade com chapéu alheio. Não pegava dinheiro
dos ricos e distribuía aos pobres. Não fazia assistencialismo. Não dava das
migalhas. Ele, pela identificação com os pobres e leprosos, dizia, pelo
exemplo, sem precisar pronunciar palavras: esse mundo que produz excluídos não
tem a bênção de Deus. Deus não se encontra nos palácios e no luxo, aí só se encontra
a vaidade humana. Deus ama a justiça e sua justiça é tratar de forma igual os
diferentes, privilegiando os mais vulneráveis.
5.
Conversão Ecológica: Francisco é exemplo por
excelência de cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral. O amor que
Francisco nutria pela natureza é exemplar. Mas, cuidado, ele não é um
romântico. Ele é um ecologista integral. Não amava gatos e cachorros e matavam
os outros animais. Ele respeitava, cuidava e encontrava Deus em cada um desses
“irmãos mais pequenininhos”. Uma violência contra a natureza e contra os
animais é um pecado contra Deus, segundo Francisco. E um ato acolhedor e zeloso
com a natureza e com os animais é um ato de abraço a Deus mesmo.
6.
Conversão para Paz: A paz é fruto da justiça e
da integridade da criação. A não violência ativa é uma ação, antes de uma
contemplação ou uma ideia e doutrina. Francisco conheceu a guerra, participou
da guerra como cavaleiro, mas se converteu e se tornou cavaleiro da Paz.
Reconcilação integral e pacificação dos ânimos, praticando uma justiça
restaurativa, mais do que uma justiça reparativa ou de vingança.
7.
Conversão Feminina: O cuidado com o que é frágil
e com a casa comum, como diríamos hoje, é a marca por excelência de Francisco,
tanto com os pobres e vulneráveis quanto com a natureza e os animais. Ora,
essas são marcas, preferencialmente, do feminino no humano. A integração do
masculino e feminino em Francisco se torna afetivo e efetivo na sua amizade com
Clara de Assis, sua alma gêmea na renovação religiosa medieval e, poeticamente,
no canto do Irmão Sol, que alterna o masculino e o feminino no louvor das
criaturas (Sol-lua, vento-água, fogo-terra).
8.
Conversão cristológica: O Jesus de Francisco é o
Jesus da cruz. A cruz, contudo, não é símbolo do sofrimento pelo sofrimento,
mas resultado e consequência da fidelidade e amor ao Reino de Deus em favor dos
pobres e excluídos. O Cristo da Cruz é o Cristo da opção preferencial pelos
pobres e excluídos que morre, mas não trai o projeto do Pai, fazendo conchavos
com os poderosos e líderes religiosos do tempo. Isso um conservador político e
religioso jamais entenderá. E, ainda, o Jesus de Francisco é o Jesus do
presépio, do menino Jesus, o frágil menino entre os frágeis elementos da
natureza e dos animais. É o Jesus da encarnação. O que é frágil inspira cuidado
e amor. Francisco não se interessa pelo Deus onisciente, onipotente,
onipresente e infinito. Esse é o Deus dos filósofos. Esse Deus não cabe num
presépio...
9.
Conversão sóbria e feliz: A conversão, a mudança de
rota integral de Francisco, assumindo o mundo da fragilidade e da
vulnerabilidade, tornando-se pobre, frágil e vulnerável entre os pobres, não o
fez um homem amargo, triste e melancólico. A pobreza de Francisco é uma pobreza
como sinônimo de “sobriedade feliz”. Ele sabe que quem tudo quer, não se
satisfaz com nada, pois os desejos são infinitos... Ele pacifica os desejos,
domando-os e direcionando-os para diminuir o sofrimento do mundo. E isso o faz
feliz, pois onde está a felicidade a não ser no ato de fazer os outros felizes?
10. Conversão da conversão: O resultado dos processos de conversão faz
de Francisco um modelo de conversão que não abre mão do mundo e da terra em
direção ao céu, mas, pelo contrário, faz um movimento do céu à fidelidade à
terra. Em Francisco a espiritualidade não é de fuga do mundo, mas uma imersão
no submundo do mundo, resgatando e santificando toda a criação, privilegiando
os mais frágeis e vulneráveis, elevando o mundo a Deus. O movimento é, pois, de
conversão da conversão. É o retorno e a inserção no mundo, livrando-se de uma
espiritualidade desencarnada e de reclusão, para uma espiritualidade de ação
salvadora lá onde os humanos teimam em fazer condenados e excluídos.
Comentários