FÉ, RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE


Os filósofos se agitam em ver distinções onde o senso comum enxerga confusamente. Uma dessas confusões é sobre os três conceitos que compõem o título desse artigo. Seguimos o método esquartejador, por partes.
Fé é um ato de crença, confiança e entrega que se deposita em alguém ou num conjunto de verdades reveladas.
Contudo, antes de pensarmos na fé como fé em Deus, é fundamental pensar a fé na dimensão puramente humana.
Fé humana ou antropológica é o que move o filho a se jogar do terceiro andar do prédio, em meio à fumaça que lhe impossibilita ver, mas ouve a voz do pai que lhe diz: “joga-se meu filho, eu sei que tu não me vês, mas eu te vejo”. E o filho se joga. Pascal dizia que é “a fé é um salto no escuro”. Nada mais apropriado.
Fé é aquela atitude de confiança naquilo que não vemos e não temos certeza absoluta. Há um risco no ato de crer, impossível de ser redimido, apesar das evidências que nos dão alguma segurança. A mulher ama o marido e o marido ama a mulher e reciprocamente fazem juras e promessas de amor e se dão provas de amor. Contudo, permanece o risco. A palavra pode enganar e a obra e o gesto podem esconder intenções falsas. Mesmo assim, um crê no outro. É preciso crer no amor, dizia Kierkegaard.
Sem fé, a vida seria um impossível. Toma-se o ônibus e é necessário crer que o motorista não seja um terrorista e jogue os passageiros no precipício. Vai-se ao restaurante e toma a comida sem que alguém, previamente, teste se a comida não contém veneno etc. Os exemplos são infinitos.
O contrário da fé, não é a descrença, mas o medo e a paranoia. Desconfiar de todos e de tudo, eis o paranoico que vive a síndrome do medo. Lá onde a fé falha, instaura-se o medo e a paranoia que vê perigo e inimigos por todos os lados. Que triste uma vida sem fé!
Quando a fé é a confiança e a certeza, sem a prova cabal, em Deus e nas suas promessas, então a fé passa da dimensão antropológica para a dimensão transcendente e teológica. A fé religiosa não é, ainda, sinônimo de religião, pois mesmo sem religião é possível continuar crendo e confiando em Deus na solidão do eu. E aqui vale o mesmo da fé humana e antropológica, com um agravante, a Deus ninguém viu e, por isso, a fé é ainda mais arriscada. 
Religião, por sua vez, é a forma humana de organizar a fé em Deus. A religião é estrutura, organização, doutrina, hierarquia, moral e ritualização do ato de crer. Quando os que creem no mesmo Deus seduzem um ao outro, temos então a religião, forma coletiva de pensar e viver a própria fé.
Espiritualidade é a viver segundo um espírito que anima a vida. Quem tem fé no outro e tem fé em Deus, de per si, tem espiritualidade. Mas isso não significa que espiritualidade seja sinônimo de fé e de religião. É possível uma espiritualidade laica e até ateia com legitimidade e com integridade. Viver segundo um espírito, eis o que é espiritualidade.
Ora, uns vivem segundo espírito da competição e da indiferença, típica do capitalismo. Outros sob o espírito do medo e da desconfiança. Outros, e não raro, sob o espírito da confiança, da solidariedade, da harmonia e da paz. Outros ainda sob o Espírito Santo de Deus que faz irromper o medo e enfrentar os poderosos, fazendeiros com seus jagunços, golpistas com seus tentáculos de poder, imperadores com seus exércitos e arenas com seus leões etc.
Fé, religião e espiritualidade. Eu tenho fé numa religião que fomenta a espiritualidade da justiça, paz e ecologia. E você? Namastê!

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