ÉTICA E RELIGIÃO
“Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. O romancista russo Dostoiévski, autor de Os Irmãos Karamazov, põe esta frase na boca de um dos seus personagens, Ivan Karamazov, dando entender que sem valores absolutos, e Deus e as religiões são o que garantem os valores absolutos, não haveria como pensar e fundamentar as normas morais, caindo inevitavelmente no ceticismo, no relativismo e no niilismo. Razão alguma nos salvaria do fazer e desfazer das normas do certo e errado, quando a razão é o próprio limite. Nesse sentido, sem Deus, tudo seria relativo ao homem, medida de todas as coisas, e nada estaria acima dele para obrigá-lo a ser e fazer o que nem mesmo ele desejaria.
É claro que o temor a Deus pode ser fonte da mais alta conduta moral, e conhecemos figuras históricas exemplares de moralidade por conta do temor e do amor de Deus. Jesus Cristo e São Francisco de Assis, para ficar apenas com dois exemplos, são o que há de mais alto e elaborado em religião, no que tange a moralidade. Como não reconhecer que essas duas figuras encarnam plenamente o que espontânea ou reflexivamente consideramos ser um ”homem bom? Deus faz bem ao humano e faz o humano ser bom.
Mas, mesmo certos de que em cada religião se hospeda uma moral, não resulta daí que somente dentro do universo e âmbito religioso ela tenha validade, justificação e cidadania. Não estou aqui pensando em quanto de barbárie e violência se faz em nome de Deus e nem dizendo que os ateus são mais “bonzinhos” do que os crentes. Não. Mas, em nosso tempo, modernos e pós-modernos, tempos de pluralidade religiosa, de agnosticismo e ateísmo, a máxima de Dostoiévski que sugere a impossibilidade de uma moral laica é, no mínimo, perigosa e, sobretudo, falsa.
A razão e o bom senso, e não somente a fé, são capazes de conduzir retamente a vontade humana. Se assim não fosse estaríamos com um grande problema nas mãos. Teríamos que retornar a uma moral de uma religião (mas, qual?) ou no máximo nos satisfazer com morais particulares, pois Deus só é Deus para quem crê. Mas, precisaremos mesmo acreditar e postular um Deus para considerar que nem tudo é permitido? Para sermos bons, necessitamos de Deus ou o espelho e a consciência já são um bom guia?
Apenas um exemplo para mostrar que mesmo sem a crença em Deus e as religiões, nem tudo seria permitido. Você, ou um ateu qualquer, mataria alguém que em algum momento te prejudicou, mesmo se tivesse a certeza de que ninguém o descobriria por tal ato? Você, se tivesse o dom da invisibilidade, torturaria um desafeto ou mesmo um inimigo? Se a consciência, mesmo do descrente em Deus, não permitiria uma ato assim, então, mesmo sem Deus nem tudo seria permitido. Em algum lugar da nossa consciência e racionalidade está inscrito, com letras bem miúdas, mas legíveis, que o bem nos faz bem e o mal nos faz mal.
Estamos vivendo tempos de fanatismo e fundamentalismo religioso, e quando a religião retorna nesses moldes, o melhor que podemos e devemos fazer é: pensar!
O mal não é necessariamente a ausência de Deus no coração do homem. O mal é, sobretudo, ausência da capacidade de pensar.
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