ÉTICA E CÓDIGO DE ÉTICA
Sabemos o caso. Uma médica pediatra de Porto Alegre (RS) se nega a atender uma criança, que já era sua paciente, alegando que não se sentia à vontade, confortável e em condições de continuar atendendo-a, porque a mãe e o pai da criança confessam uma convicção política contrária a sua. A mãe, no caso, é militante feminista e filiada ao PT. A médica até tentou se justificar dizendo que poderia inventar desculpas, mas que preferia ser honesta e sincera, manifestando a razão do não atendimento.
O SIMERS, Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, saiu em defesa da médica alegando que ela agiu de acordo com o código de ética médica que diz expressamente que o médico não é obrigado a atender, salvo em caso de emergência e na ausência de outros profissionais, pacientes que não desejam. Além do que, diz o sindicado através do seu presidente, ela foi honesta e isso é uma atitude ética por excelência.
Acontece, e aqui a questão começa a ficar interessante, que os códigos de ética profissionais não são o último recurso para um profissional agir eticamente. Aliás, os códigos de ética deveriam perder o nome de código de ética e serem tratados como código de moral. A confusão já se estabelece no nome. Códigos orientam a ação segundo uma norma precisa, circunscrita e estabelecida na forma da lei escrita. E a isso chamamos moral, sempre particular e restrita a um grupo ou cultura. Ora, a ética é a reflexão e a ciência das normas morais, legitimando-as ou mostrando a sua insuficiência e limites. Nesse sentido a ética é um recurso de racionalidade mais alto para ajuizarmos comportamentos do certo e errado segundo princípios e valores.
Ora, princípios e valores, no mais das vezes, entram em conflito ou em contradição e aí há de se pensar e discriminar segundo critérios de hierarquia. Mentir, por exemplo, será legítimo se for para salvar uma vida. Roubar será legítimo se não houver outro recurso para sobreviver em determinada situação, em caso de catástrofe, por exemplo.
O que isso esclarece do caso referido? No meu entendimento a médica agiu por paixão, por desejo, por vontade interesseira, ancorada numa norma moral fraca em relação à outra norma ou princípio, que diz que ninguém deve ser discriminado pela sua preferência sexual, religiosa, política ideológica e filosófica. Cabe à ética fazer essa distinção e, por isso, melhor seria alterar os códigos de éticas e chamá-los simplesmente de códigos de moral.
Hannah Arendt inventou um conceito para dar conta da atitude facilitada no nosso tempo de cometer o mal e não reconhecer que o cometeu: banalidade do mal. Quanto mal cometemos pela facilidade de cometê-lo e sem nos dar conta do seu peso e de sua gravidade! A causa disso, da banalidade do mal, diz Arendt, é a regressão da capacidade de pensamento. A capacidade de pensamento nos tornaria éticos lá onde as morais particulares e profissionais nos dão legalidade, mas não nos dão legitimidade. Pensar nos salva. Pensar nos redime. Pensar nos liberta.
Pensar, pensar, pensar! É a única chance que temos para sair do impasse das intolerâncias e fechamentos dogmáticos que vê na pessoa do outro um desconforto, e não uma chance de lhe fazer o bem!
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