ESPIRITUALIDADES MODERNAS E PÓS-MODERNAS


Marx, Nietzsche e Freud estão mortos e Deus continua mais vivo do que nunca. Ou, pelo menos, as religiões continuam vivas e as espiritualidades baseadas nelas ou em algumas outras crenças, são as que ainda dão algum sentido nesse mundo aparentemente absurdo.
Essa parece ser a ironia da história. Os três grandes pensadores modernos, cada um à sua maneira, proclamaram em alto e bom som, não que Deus não exista, mas que ou ele “está morto” (Nietzsche), ou que a “religião é o ópio do povo” (Marx), ou uma “ilusão” (Freud). Para os três, o futuro dessa ilusão que envenena as consciências estaria fadado necessariamente ao desaparecimento e no seu lugar tomaria posto o super-homem que, munido da razão e do conhecimento o tornaria senhor de si, finalmente, consciente e livre.
Das ilusões, a maior foi exatamente essa aventura da modernidade centrada no homem sem transcendência. Para não ser injusto, a modernidade capitalista não é exatamente sem transcendência, pois o mercado se apresenta como o novo deus, com ar divino e com transcendência imanente, oferecendo a cada dia um novo produto, numa espécie de mal infinito, que exige sacrifício para conquistá-lo e que promete felicidade, se bem que a sensação seja sempre de frustração ou tédio.
É evidente que os substitutos de Deus, seja o estado, o partido ou o mercado, geralmente, tornaram-se pequenos-deus-tiranos que a todos escraviza sutilmente, com ar de pretensa liberdade. Deveríamos já ter aprendido essa verdade, contudo não dá para desconhecer que quem segue esses “pequenos-deuses” alimentam uma espiritualidade com capacidade de fazer adeptos mais do que as supostas religiões verdadeiras.
De qualquer forma estamos hoje diante de pluralidades de espiritualidades. Uma delas é a do mercado acima exposta. Sim o mercado tem espiritualidade, pois espiritualidade é viver segundo um espírito que anima a vida. E o capitalismo tem um o espirito que o anima e anima os seus fies, o espírito do ter para consumir e consumir para ser.
Mas há outras espiritualidades. Persiste e resistem as espiritualidades de fuga mundi, de desapego as coisas do mundo, de cunho moralista e conservador. Mas também persistem e resistem as espiritualidades encarnadas no mundo da vida, seguindo o espírito do Jesus Histórico e libertador com todas as suas opções e práticas de resgate a vida e vida em abundância no aqui e agora. Há ainda espiritualidades cristãs que se valem das Escrituras para dar um ar religioso ao espírito do capitalismo, sobretudo dentro das igrejas da teologia da prosperidade.
Mas o que gostaria de evocar aqui é uma espiritualidade de longa data, até mesmo antes do cristianismo e do capitalismo, e que tem na tradição filosófica e mística grandes expoentes e adeptos. Trata-se da espiritualidade holística, que para alguns é panteísta e corrosiva dos valores transcendentes e da vida comunitária, mas que eu considero altamente vinculante nos tempos pós-modernos. Cito uma passagem de um filósofo moderno (Baruch Spinoza), ou a ele atribuída, para apresentar essa espiritualidade e o leitor avalie o alcance dela. Eu a considero potente e arrebatadora.
“Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz e te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio, como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar. Para de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro de ti... aí é que estou.”
O que dizer ao ler algo assim senão um sonoro: amém?

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