EPICURO: O FILÓSOFO DA SOBRIEDADE FELIZ!


Sabe aquele filósofo que a história relegou a segundo plano, quase baniu, por ser considerado perigoso e pouco sério, mas que na verdade foi, simplesmente, mal compreendido ou deturpado? Pois eu vos apresento: Epicuro. Epicuro é um proscrito, um quase não-filósofo, banido e criticado, sobretudo, por mentes moralistas que não podem ouvir falar a palavra “prazer”. Ele é um “hedonista”, dizem os moralistas. Ou, dizem os idealistas e metafísicos, esses águias do pensamento especulativo “fuga mundi”, ele é um “materialista”. Ser materialista e hedonistas, em filosofia, equivale a dizer: ele está errado ou, o que seria pior, ele é do mal!
 No entanto, quanto mal-entendido! Ele é, na verdade, o pai da vida simples e da “sobriedade feliz” e nunca pregou o prazer pelo prazer ou disse que Deus não existe e a matéria é o próprio Deus. Epicuro é um sábio e não um medíocre escritor de autoajuda. Um sábio que necessita ser resgatado, tal como Diógenes, o cínico! Sobre Diógenes falarei noutra ocasião, agora é a vez de Epicuro.
Epicuro (341 - 270 a. C) é um filósofo helenista, pós Sócrates, Platão e Aristóteles, que viveu num tempo em que já não se acreditava em política, religião e os deuses gregos estavam em franca retirada. É o chamado período helenista, quando a Grécia entra em decadência e o império Alexandrino se instaura e se estende por todos os lados. Algo muito parecido com o nosso tempo pós-moderno em que o império do capital se instaura e estende para todos os lados e se crava no coração de cada indivíduo. O tempo de Epicuro e o nosso, é o tempo do fim das grandes narrativas especulativas sobre Deus, mundo e o homem e o fim das grandes utopias e ideais pelos quais vale a pena viver e morrer. Como ser feliz num tempo assim? Essa é a grande interrogação de Epicuro, e parece ser a nossa também.
Epicuro é essencialmente um filósofo ético que acolhia a todos os que queriam ouvi-lo, sem exigência e pré-requisitos, como Platão, por exemplo, que não aceitava discípulos que não tivesse conhecimento de outras áreas e isso explica o porquê, na porta de entrada da academia de Platão, estava escrito: “não entre aqui quem não souber geometria”. Epicuro nem academia tinha. A sua casa e seu jardim eram a sua escola e a única exigência para ser seu aluno era querer ouvi-lo e como todos tem orelhas, então, podia entrar qualquer um, desde que não fosse surdo, inclusive mulheres e escravos, o que não é, convenhamos, o padrão para a vida de filósofo.  Mas isso é detalhe, o que importa mesmo é a sua filosofia e a sua resposta para a pergunta: o que nos faz feliz, mesmo em tempos sombrios e sem boas expectativas e condições que venham do mundo exterior, da política e das religiões?
Epicuro dizia que quatro coisas são suficientes para a vida feliz, ao que ficou conhecido como o tetrapharmakos de Epicuro, ou quatro remédios que nos cura dos males e nos liberta para vivermos uma vida boa. Ei-los:
  1. Não temer os deuses: Epicuro não é ateu, mas ele diz que a ideia que temos de Deus, no caso do mundo grego, dos deuses, é falsa. Nós, humanos, achamos que os deuses se preocupam e se importam com a gente, mas os deuses vivem a sua vida lá no além-nuvens, comendo ambrosia e bebendo néctar e não estão nem aí com a vida dos humanos. Nada os afligem, atingem e os comovem, nem a blasfêmia nem as preces. Eles são, na verdade, inatingíveis e não podem nos atingir. Há muita aflição, angústia e sofrimento do humano em relação aos deuses, trata-se de libertar-se, parando de se preocupar com eles, assim como eles não se preocupam com a gente. Logo, não devemos temê-los, apenas imitá-los!
  2. Não temer a morte: quanta angústia e sofrimento diante da morte! Perdemos muita energia pensando nela. A morte, contudo, não nos deveria preocupar e não a deveríamos temer, pois enquanto somos, ela não é, e quando ela é, nós já não somos. A morte nunca nos encontra, pois quando ela chega nós já fomos. Nunca haverá o encontro e a experiência da morte, então, por que se preocupar com ela? A morte é um nada, pois o ser é a sensação e no ato da morte, cessa a sensação, logo, nunca haverá o encontro do eu com a morte. Não dá para dizer: eu morri. Nem dá para dizer, “tu morreste”. Só podemos dizer: “ele está morto”. A morte é, pois, impessoal!
  3. O sofrimento e a dor são suportáveis: o pior que pode acontecer em nós é a má sensação e a isso chamamos dor ou sofrimento. Contudo, ensinava Epicuro, o sofrimento é suportável e não é empecilho para o bem viver. Se o sofrimento e a dor forem leves, a gente leva na boa, se for agudo, passa logo, se for agudíssimo, nos leva à morte, o fim de todo sofrimento. Então, mesmo o inevitável sofrimento causado pela dor, não impossibilita uma vida feliz.
  4. A felicidade é sinônimo de prazer e é plenamente possível: o mais importante dos remédios que cura a alma e a conduz a uma vida feliz, sem sofrimentos, isto é, ao estado pleno de ataraxia, de vida serena não perturbada pelas paixões, é viver uma vida que busque o prazer, evitando o sofrimento. O prazer é o maior dos bens e uma vida de prazeres é possível e isso leva a felicidade alcançável em qualquer lugar e por qualquer um. Mas, cuidado! Não é o prazer pelo prazer e não é qualquer tipo de prazer. O prazer desejado é o prazer que não causa sofrimento. Não sofrer é o maior dos prazeres. Note! Epicuro não é como os estoicos que ensina a suportar o sofrimento. Não. Ele ensina como evitar o sofrimento, que é um mal, e alcançar o prazer, o bem. Mas, também não é hedonista ingênuo no sentido de busca do prazer pelo prazer. Ele é filósofo e filósofo, repito, não é escritor de autoajuda fácil. Não há receita fácil para a vida feliz. E o próprio Epicuro complexifica a conversa sobre os prazeres dizendo que se tratam de três tipos ou categorias e com isso finaliza a sua filosofia. a) Prazeres naturais e necessários; b) Prazeres naturais, mas não necessários; c) Prazeres não naturais e não necessários. Os prazeres naturais e necessários devem ser buscados e estimulados e não causam sofrimento, mas pelo contrário, eliminam um sofrimento. Por exemplo, beber quando se está com sede, comer quando se está com fome, dormir quando se está com sono, se agasalhar e se esquentar quando se está com frio etc. São prazeres diários que podem ser renovados e nos fazem bem quando alcançados, pois evitam e cessam um sofrimento e uma dor. Os prazeres do segundo grupo, contudo, são os maturarias, mas não necessários e se realizados, podem causar dissabores. Assim, a fome é um mal e comer é um bem, mas buscar comer somente coisas refinadas já não é natural e cai-se no campo do supérfluo. E o supérfluo entra na seara dos desejos e os desejos são infinitos e insaciáveis e por conta disso, o supérfluo atrai supérfluo e quem não se satisfaz com pouco, com nada se satisfará, o que causará enormes sofrimentos. Logo, esses prazeres devem ser evitados. E o terceiro grupo de prazeres, os prazeres nem naturais e nem necessários, são menos aconselháveis ainda. São aqueles tipos de prazeres que não supram nenhuma necessidade e são artificiais e dependem de algo muito insustentável que é o olho do outro. São os prazeres das honras, das vaidades, da glória.
Em resumo: é tão fácil ser feliz, mas nós teimamos em dificultar e buscar o caminho mais longo. Como diz a filósofa epicurista Elis Regina, a felicidade consiste em querer uma vida simples, coisa pouca, uma casa no campo, “onde eu possa plantar meus amigos, meus discos, meus livros e nada mais”.

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