EU QUERO MORRER
Para um ser vivo, a morte é o pior dos males, assim como continuar vivo é o maior dos bens. A morte é o pior dos males porque é sinônimo de nunca mais. Como achar boa a ideia de que nunca mais veremos o sol, nunca mais falaremos com a pessoa amada, nunca mais comeremos, nunca mais caminharemos à beira da praia, nunca mais olharemos o rosto feliz de criança, nunca mais receberemos e daremos um abraço, nunca mais contemplaremos um por de sol? Nunca mais! Nada pior do que o nunca mais.
A história é farta em narrativas, filosofias, mitologias que envolvem morte, sua negação e superação.
Na mitologia grega, encontramos duas narrativas de resistência à morte na ânsia da imortalidade: o mito de Sísifoeo mito de Sibila Cumana.
Sísifo é um personagem que não queria morrer. Para alcançar a imortalidade decide, com o aval (ou com o consentimento) de sua esposa, não fazer os rituais de despedida que o conduziria para o além. Ele trapaceia o ritual. Mata um boi, tira as estranhas, ajusta-as a um formato humano e cobre as entranhas em formato humano com o couro do próprio boi, simulando ser seu corpo, enquanto a esposa fazia os rituais de passagens.Com essa trapaça conquista a imortalidade, pois sem rito de passagem não há passagem para o além. Mas recebe como castigo, por afrontar Zeus e seu destino, a triste sina de ter que rolar uma pedra até o alto de uma montanha. Quando a pedra alcança o topo, escorrega montanha abaixo, obrigando-o a repetir eternamente o castigo, ou seja, rolar a pedra montanha acima.
Melhor seria morrer! Mas já que agora é imortal, então que colha o fruto da hybris, da audácia, do orgulho, da insolência em excesso. Sísifo é uma tentativa de dizer que é imbecilidade trágica toda tentativa de alterar a ordem do universo. E dentro dessa ordem, a morte do humano é uma parte que só não é trágica se for naturalmente assumida e aceita.
Sibila de Cumas, famosa profetiza da mitologia grega, pediu vida eterna ao deus Apolo, que a amava e prontamente lhe concedeu o pedido. Ela esqueceu, no entanto, de pedir a juventude. Quando ela atingiu 1000 anos, desejou morrer, mas não conseguia. Que lapso pedir vida eterna e ter que viver em situação de decrépito. Vida eterna em decadência, quem gostaria de viver? Mas, mesmo a vida eterna em plena juventude, quem gostaria de viver? Eu não! Eu quero morrer!
Por quê? Porque sem a morte, nada seria sério. A vida é séria porque é finita, sem esboço e irrepetível. O que não tem uma segunda chance, o que é vivido como oportunidade única no tempo fugidio, isso é sério. Que graça teria a vida se sempre pudéssemos deixar para amanhã? Afinal, se não morrêssemos, tudo poderia ser deixado para amanhã.
Por que comemoramos aniversário? Porque sabemos que vamos morrer. Se fôssemos eternos, por que marcar o tempo e comemorá-lo? Se fôssemos imortais, adeus docinhos de aniversário! Se fôssemos eternos, não haveria graça nas escolhas que fazemos e que nos tornam quem somos. Sempre poderíamos adiar as escolhas. Afinal, pressa pra quê? A graça da vida é a aparente desgraça da morte.
Bem-vinda a morte, das certezas a mais certa. Contudo, o nunca mais é sempre dos outros. O eu e o tu nunca morrem. Quem morre é sempre ele. Não dá para dizer: eu morri. Não dá para dizer: tu morreste. Só podemos dizer: ele morreu. A morte, o mais pessoal e intransferível dos eventos, é sempre a morte do outro. Um dia será a minha e a tua... Que seja bem-vinda a irmã morte!
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